"A Palavra é do Tempo, o Silêncio da Eternidade"

6 de fevereiro de 2008

Mensagem do Papa para a Quaresma 2008




MENSAGEM DE SUA SANTIDADE O PAPA BENTO XVI

PARA A QUARESMA DE 2008


«Cristo fez-Se pobre por vós» (cf. 2 Cor 8, 9)


Queridos irmãos e irmãs!


1. Todos os anos, a Quaresma oferece-nos uma providencial ocasião para aprofundar o sentido e o valor do nosso ser de cristãos, e estimula-nos a redescobrir a misericórdia de Deus a fim de nos tornarmos, por nossa vez, mais misericordiosos para com os irmãos. No tempo quaresmal, a Igreja tem o cuidado de propor alguns compromissos específicos que ajudem, concretamente, os fiéis neste processo de renovação interior: tais são a oração, o jejum e a esmola. Este ano, na habitual Mensagem quaresmal, desejo deter-me sobre a prática da esmola, que representa uma forma concreta de socorrer quem se encontra em necessidade e, ao mesmo tempo, uma prática ascética para se libertar da afeição aos bens terrenos. Jesus declara, de maneira peremptória, quão forte é a atracção das riquezas materiais e como deve ser clara a nossa decisão de não as idolatrar, quando afirma: «Não podeis servir a Deus e ao dinheiro» (Lc 16, 13). A esmola ajuda-nos a vencer esta incessante tentação, educando-nos para ir ao encontro das necessidades do próximo e partilhar com os outros aquilo que, por bondade divina, possuímos. Tal é a finalidade das colectas especiais para os pobres, que são promovidas em muitas partes do mundo durante a Quaresma. Desta forma, a purificação interior é corroborada por um gesto de comunhão eclesial, como acontecia já na Igreja primitiva. São Paulo fala disto mesmo quando, nas suas Cartas, se refere à colecta para a comunidade de Jerusalém (cf. 2 Cor 8-9; Rm 15, 25-27).

2. Segundo o ensinamento evangélico, não somos proprietários mas administradores dos bens que possuímos: assim, estes não devem ser considerados propriedade exclusiva, mas meios através dos quais o Senhor chama cada um de nós a fazer-se intermediário da sua providência junto do próximo. Como recorda o Catecismo da Igreja Católica, os bens materiais possuem um valor social, exigido pelo princípio do seu destino universal (cf. n. 2403).
É evidente, no Evangelho, a admoestação que Jesus faz a quem possui e usa só para si as riquezas terrenas. À vista das multidões carentes de tudo, que passam fome, adquirem o tom de forte reprovação estas palavras de São João: «Aquele que tiver bens deste mundo e vir o seu irmão sofrer necessidade, mas lhe fechar o seu coração, como pode estar nele o amor de Deus?» (1 Jo 3, 17). Entretanto, este apelo à partilha ressoa, com maior eloquência, nos Países cuja população é composta, na sua maioria, por cristãos, porque é ainda mais grave a sua responsabilidade face às multidões que penam na indigência e no abandono. Socorrê-las é um dever de justiça, ainda antes de ser um gesto de caridade.

3. O Evangelho ressalta uma característica típica da esmola cristã: deve ficar escondida. «Que a tua mão esquerda não saiba o que fez a direita», diz Jesus, «a fim de que a tua esmola permaneça em segredo» (Mt 6, 3-4). E, pouco antes, tinha dito que não devemos vangloriar-nos das nossas boas acções, para não corrermos o risco de ficar privados da recompensa celeste (cf. Mt 6, 1-2). A preocupação do discípulo é que tudo seja para a maior glória de Deus. Jesus admoesta: «Brilhe a vossa luz diante dos homens de modo que, vendo as vossas boas obras, glorifiquem vosso Pai que está nos Céus» (Mt 5, 16). Portanto, tudo deve ser realizado para glória de Deus, e não nossa. Queridos irmãos e irmãs, que esta consciência acompanhe cada gesto de ajuda ao próximo evitando que se transforme num meio nos pormos em destaque. Se, ao praticarmos uma boa acção, não tivermos como finalidade a glória de Deus e o verdadeiro bem dos irmãos, mas visarmos antes uma compensação de interesse pessoal ou simplesmente de louvor, colocamo-nos fora da lógica evangélica. Na moderna sociedade da imagem, é preciso redobrar de atenção, dado que esta tentação é frequente. A esmola evangélica não é simples filantropia: trata-se antes de uma expressão concreta da caridade, virtude teologal que exige a conversão interior ao amor de Deus e dos irmãos, à imitação de Jesus Cristo, que, ao morrer na cruz, Se entregou totalmente por nós. Como não agradecer a Deus por tantas pessoas que no silêncio, longe dos reflectores da sociedade mediática, realizam com este espírito generosas acções de apoio ao próximo em dificuldade? De pouco serve dar os próprios bens aos outros, se o coração se ensoberbece com isso: tal é o motivo por que não procura um reconhecimento humano para as obras de misericórdia realizadas quem sabe que Deus «vê no segredo» e no segredo recompensará.

4. Convidando-nos a ver a esmola com um olhar mais profundo que transcenda a dimensão meramente material, a Escritura ensina-nos que há mais alegria em dar do que em receber (cf. Act 20, 35). Quando agimos com amor, exprimimos a verdade do nosso ser: de facto, fomos criados a fim de vivermos não para nós próprios, mas para Deus e para os irmãos (cf. 2 Cor 5, 15). Todas as vezes que por amor de Deus partilhamos os nossos bens com o próximo necessitado, experimentamos que a plenitude de vida provém do amor e tudo nos retorna como bênção sob forma de paz, satisfação interior e alegria. O Pai celeste recompensa as nossas esmolas com a sua alegria. Mais ainda: São Pedro cita, entre os frutos espirituais da esmola, o perdão dos pecados. «A caridade – escreve ele – cobre a multidão dos pecados» (1 Pd 4, 8). Como se repete com frequência na liturgia quaresmal, Deus oferece-nos, a nós pecadores, a possibilidade de sermos perdoados. O facto de partilhar com os pobres o que possuímos, predispõe-nos para recebermos tal dom. Penso, neste momento, em quantos experimentam o peso do mal praticado e, por isso mesmo, se sentem longe de Deus, receosos e quase incapazes de recorrer a Ele. A esmola, aproximando-nos dos outros, aproxima-nos de Deus também e pode tornar-se instrumento de autêntica conversão e reconciliação com Ele e com os irmãos.

5. A esmola educa para a generosidade do amor. São José Bento Cottolengo costumava recomendar: «Nunca conteis as moedas que dais, porque eu sempre digo: se ao dar a esmola a mão esquerda não há de saber o que faz a direita, também a direita não deve saber ela mesma o que faz » (Detti e pensieri, Edilibri, n. 201). A este propósito, é muito significativo o episódio evangélico da viúva que, da sua pobreza, lança no tesouro do templo «tudo o que tinha para viver» (Mc 12, 44). A sua pequena e insignificante moeda tornou-se um símbolo eloquente: esta viúva dá a Deus não o supérfluo, não tanto o que tem como sobretudo aquilo que é; entrega-se totalmente a si mesma.
Este episódio comovedor está inserido na descrição dos dias que precedem imediatamente a paixão e morte de Jesus, o Qual, como observa São Paulo, fez-Se pobre para nos enriquecer pela sua pobreza (cf. 2 Cor 8, 9); entregou-Se totalmente por nós. A Quaresma, nomeadamente através da prática da esmola, impele-nos a seguir o seu exemplo. Na sua escola, podemos aprender a fazer da nossa vida um dom total; imitando-O, conseguimos tornar-nos disponíveis para dar não tanto algo do que possuímos, mas darmo-nos a nós próprios. Não se resume porventura todo o Evangelho no único mandamento da caridade? A prática quaresmal da esmola torna-se, portanto, um meio para aprofundar a nossa vocação cristã. Quando se oferece gratuitamente a si mesmo, o cristão testemunha que não é a riqueza material que dita as leis da existência, mas o amor. Deste modo, o que dá valor à esmola é o amor, que inspira formas diversas de doação, segundo as possibilidades e as condições de cada um.

6. Queridos irmãos e irmãs, a Quaresma convida-nos a «treinar-nos» espiritualmente, nomeadamente através da prática da esmola, para crescermos na caridade e nos pobres reconhecermos o próprio Cristo. Nos Actos dos Apóstolos, conta-se que o apóstolo Pedro disse ao coxo que pedia esmola à porta do templo: «Não tenho ouro nem prata, mas vou dar-te o que tenho: Em nome de Jesus Cristo Nazareno, levanta-te e anda» (Act 3, 6). Com a esmola, oferecemos algo de material, sinal do dom maior que podemos oferecer aos outros com o anúncio e o testemunho de Cristo, em cujo nome temos a vida verdadeira. Que este período se caracterize, portanto, por um esforço pessoal e comunitário de adesão a Cristo para sermos testemunhas do seu amor. Maria, Mãe e Serva fiel do Senhor, ajude os crentes a regerem o «combate espiritual» da Quaresma armados com a oração, o jejum e a prática da esmola, para chegarem às celebrações das Festas Pascais renovados no espírito. Com estes votos, de bom grado concedo a todos a Bênção Apostólica.

Vaticano, 30 de Outubro de 2007.

BENEDICTUS PP. XVI

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MESSAGE OF HIS HOLINESS BENEDICT XVI

FOR LENT 2008

“Christ made Himself poor for you” (2 Cor 8,9)

Dear Brothers and Sisters!


1. Each year, Lent offers us a providential opportunity to deepen the meaning and value of our Christian lives, and it stimulates us to rediscover the mercy of God so that we, in turn, become more merciful toward our brothers and sisters. In the Lenten period, the Church makes it her duty to propose some specific tasks that accompany the faithful concretely in this process of interior renewal: these are prayer, fasting and almsgiving. For this year’s Lenten Message, I wish to spend some time reflecting on the practice of almsgiving, which represents a specific way to assist those in need and, at the same time, an exercise in self-denial to free us from attachment to worldly goods. The force of attraction to material riches and just how categorical our decision must be not to make of them an idol, Jesus confirms in a resolute way: “You cannot serve God and mammon” (Lk 16,13). Almsgiving helps us to overcome this constant temptation, teaching us to respond to our neighbor’s needs and to share with others whatever we possess through divine goodness. This is the aim of the special collections in favor of the poor, which are promoted during Lent in many parts of the world. In this way, inward cleansing is accompanied by a gesture of ecclesial communion, mirroring what already took place in the early Church. In his Letters, Saint Paul speaks of this in regard to the collection for the Jerusalem community (cf. 2 Cor 8-9; Rm 15, 25-27).

2. According to the teaching of the Gospel, we are not owners but rather administrators of the goods we possess: these, then, are not to be considered as our exclusive possession, but means through which the Lord calls each one of us to act as a steward of His providence for our neighbor. As the Catechism of the Catholic Church reminds us, material goods bear a social value, according to the principle of their universal destination (cf. n. 2404)
In the Gospel, Jesus explicitly admonishes the one who possesses and uses earthly riches only for self. In the face of the multitudes, who, lacking everything, suffer hunger, the words of Saint John acquire the tone of a ringing rebuke: “How does God’s love abide in anyone who has the world’s goods and sees a brother or sister in need and yet refuses to help?” (1 Jn 3,17). In those countries whose population is majority Christian, the call to share is even more urgent, since their responsibility toward the many who suffer poverty and abandonment is even greater. To come to their aid is a duty of justice even prior to being an act of charity.

3. The Gospel highlights a typical feature of Christian almsgiving: it must be hidden: “Do not let your left hand know what your right hand is doing,” Jesus asserts, “so that your alms may be done in secret” (Mt 6,3-4). Just a short while before, He said not to boast of one’s own good works so as not to risk being deprived of the heavenly reward (cf. Mt 6,1-2). The disciple is to be concerned with God’s greater glory. Jesus warns: “In this way, let your light shine before others, so that they may see your good works and give glory to your Father in heaven” (Mt 5,16). Everything, then, must be done for God’s glory and not our own. This understanding, dear brothers and sisters, must accompany every gesture of help to our neighbor, avoiding that it becomes a means to make ourselves the center of attention. If, in accomplishing a good deed, we do not have as our goal God’s glory and the real well being of our brothers and sisters, looking rather for a return of personal interest or simply of applause, we place ourselves outside of the Gospel vision. In today’s world of images, attentive vigilance is required, since this temptation is great. Almsgiving, according to the Gospel, is not mere philanthropy: rather it is a concrete expression of charity, a theological virtue that demands interior conversion to love of God and neighbor, in imitation of Jesus Christ, who, dying on the cross, gave His entire self for us. How could we not thank God for the many people who silently, far from the gaze of the media world, fulfill, with this spirit, generous actions in support of one’s neighbor in difficulty? There is little use in giving one’s personal goods to others if it leads to a heart puffed up in vainglory: for this reason, the one, who knows that God “sees in secret” and in secret will reward, does not seek human recognition for works of mercy.

4. In inviting us to consider almsgiving with a more profound gaze that transcends the purely material dimension, Scripture teaches us that there is more joy in giving than in receiving (cf. Acts 20,35). When we do things out of love, we express the truth of our being; indeed, we have been created not for ourselves but for God and our brothers and sisters (cf. 2 Cor 5,15). Every time when, for love of God, we share our goods with our neighbor in need, we discover that the fullness of life comes from love and all is returned to us as a blessing in the form of peace, inner satisfaction and joy. Our Father in heaven rewards our almsgiving with His joy. What is more: Saint Peter includes among the spiritual fruits of almsgiving the forgiveness of sins: “Charity,” he writes, “covers a multitude of sins” (1 Pt 4,8). As the Lenten liturgy frequently repeats, God offers to us sinners the possibility of being forgiven. The fact of sharing with the poor what we possess disposes us to receive such a gift. In this moment, my thought turns to those who realize the weight of the evil they have committed and, precisely for this reason, feel far from God, fearful and almost incapable of turning to Him. By drawing close to others through almsgiving, we draw close to God; it can become an instrument for authentic conversion and reconciliation with Him and our brothers.

5. Almsgiving teaches us the generosity of love. Saint Joseph Benedict Cottolengo forthrightly recommends: “Never keep an account of the coins you give, since this is what I always say: if, in giving alms, the left hand is not to know what the right hand is doing, then the right hand, too, should not know what it does itself” (Detti e pensieri, Edilibri, n. 201). In this regard, all the more significant is the Gospel story of the widow who, out of her poverty, cast into the Temple treasury “all she had to live on” (Mk 12,44). Her tiny and insignificant coin becomes an eloquent symbol: this widow gives to God not out of her abundance, not so much what she has, but what she is. Her entire self.
We find this moving passage inserted in the description of the days that immediately precede Jesus’ passion and death, who, as Saint Paul writes, made Himself poor to enrich us out of His poverty (cf. 2 Cor 8,9); He gave His entire self for us. Lent, also through the practice of almsgiving, inspires us to follow His example. In His school, we can learn to make of our lives a total gift; imitating Him, we are able to make ourselves available, not so much in giving a part of what we possess, but our very selves. Cannot the entire Gospel be summarized perhaps in the one commandment of love? The Lenten practice of almsgiving thus becomes a means to deepen our Christian vocation. In gratuitously offering himself, the Christian bears witness that it is love and not material richness that determines the laws of his existence. Love, then, gives almsgiving its value; it inspires various forms of giving, according to the possibilities and conditions of each person.

6. Dear brothers and sisters, Lent invites us to “train ourselves” spiritually, also through the practice of almsgiving, in order to grow in charity and recognize in the poor Christ Himself. In the Acts of the Apostles, we read that the Apostle Peter said to the cripple who was begging alms at the Temple gate: “I have no silver or gold, but what I have I give you; in the name of Jesus Christ the Nazarene, walk” (Acts 3,6). In giving alms, we offer something material, a sign of the greater gift that we can impart to others through the announcement and witness of Christ, in whose name is found true life. Let this time, then, be marked by a personal and community effort of attachment to Christ in order that we may be witnesses of His love. May Mary, Mother and faithful Servant of the Lord, help believers to enter the “spiritual battle” of Lent, armed with prayer, fasting and the practice of almsgiving, so as to arrive at the celebration of the Easter Feasts, renewed in spirit. With these wishes, I willingly impart to all my Apostolic Blessing.


From the Vatican, 30 October 2007

BENEDICTUS PP. XVI

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