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8 de janeiro de 2016

Um «monumento mártir» do Alentejo: a ermida de Nossa Senhora da Assunção, em Messeja

Ermida de Nossa Senhora da Assunção
foi alvo de arrombamento e furto
Quando realizavam uma tarefa de rotina nos arredores, em 20 de Novembro 
passado, funcionários da Câmara Municipal de Aljustrel depararam com as 
portas abertas da igreja. Desde que há registo de furtos, é a sexta vez que 
o edifício, classificado como Monumento de Interesse Público, mas em deficiente 
estado de conservação, sofre a investida dos ladrões. Uma situação que o 
Departamento do Património Histórico e Artístico da Diocese de Beja 
classifica como “preocupante”. Além das perdas patrimoniais a lamentar, 
o assunto semeia a inquietação entre a população.

A ermida de Nossa Senhora da Assunção, a 3 km da vila de Messejana, 

encontra-se documentada desde o século XV, tendo sido, desde então, importante 
local de peregrinação, o que explica – como salientaram investigações 
recentes – as sucessivas campanhas de obras que recebeu, até à que lhe 
viria a dar, em etapa já posterior ao terramoto de 1755, a sua fisionomia actual.

O facto de a igreja se encontrar nas imediações da falha geológica de 

Messejana torna-a muito sensível aos abalos sísmicos. Em 1755, ficou 
completamente arruinada, mas em 1758 já estava a ser reconstruída, com 
a colaboração de Diogo Tavares de Brito, de Tavira, um dos mais importantes 
mestres pedreiros (hoje diríamos arquitecto) do vizinho Algarve, à época.

É de notar que o programa construtivo do notável imóvel, segundo esses 

mesmos estudos, simultaneamente conservador no que toca à tipologia da 
sua planta e assumidamente barroco no que diz respeito ao exterior, onde 
a preocupação de movimento, de contrastes de luz e sombra e mesmo de 
eruditismo se encontra patente desde a escadaria, à fachada.
Quanto ao interior, de grande austeridade, segue os modelos da 

arquitectura “chã”, evidenciando uma só nave e capela-mor, onde se 
concentra todo o esforço decorativo do interior, conseguido através de retábulo 
de talha rococó do altar-mor e da utilização de painéis com temas marianos azuis 
e brancos e molduras já anunciando também o rococó. A fachada, à qual se acede 
por um escadório que assume a dinâmica barroca, apresenta um registo central, 
onde se abre o portal, encimado por janelão, ladeado por duas torres colocadas 
de forma oblíqua, imprimindo movimento a toda a fachada.

Esta peculiar colocação das torres, rara na arquitectura portuguesa (podemos 

encontrá-la na igreja do Senhor Jesus da Piedade, em Elvas), foi largamente 
utilizada no Brasil, depois da construção da famosa igreja da Conceição da Praia, 
em São Salvador da Baía. Mas também as duas dependências, de planta hexagonal, 
que se ligam de um e outro lado à capela-mor, revelam uma tipologia pouco comum.

Tudo isto faz da ermida de Nossa Senhora da Assunção uma das principais 

referências do Barroco no Alentejo, bem reconhecível à distância, pontuando uma 
das mais belas paisagens do Campo Branco. Mas o isolamento deste 
santuário de peregrinação tem-se revelado adverso. “Desde 1984, a igreja já foi 
assaltada e vandalizada seis vezes, é escandalosa a situação a que chegou”, 
salienta José António Falcão, director do Departamento do Património Histórico 
e Artístico da Diocese de Beja. E acrescenta: “houve preocupação em classificá-la, 
o que é louvável, mas depois nada foi feito; a classificação, só por si, de pouco 
adianta – há que devolver este extraordinário edifício à vida”.

Um “monumento mártir”

A igreja de Nossa Senhora da Assunção é, para o responsável pelo património 

da Diocese de Beja, o exemplo perfeito de um “monumento mártir”. No início da 
década de 1980, os ladrões retiraram-lhe as alfaias e serraram parcialmente 
o retábulo do altar-mor, em talha dourada, que ficou amputado. Seguir-se-iam 
novas delapidações, que a comunidade paroquial seguiu com preocupação, mas 
sem dispor de meios suficientes para acudir a todas as suas igrejas. Desta feita, 
talvez por terem sido surpreendidos antes de concluírem a rapina, os “amigos 
do alheio” abandonaram, ao desbarato, peças de talha e outros elementos 
que tinham acabado de cortar. O retábulo, que já se encontrava em situação 
periclitante, ficou agora em péssimo estado, como alertou uma fonte 
da Comissão Fabriqueira que preferiu guardar o anonimato.

Não houve tanta sorteporém, com o único sino que permanecia nos campanários 

da igreja. Quando o pároco, Padre Luís Fernandes, tomou conta da ocorrência, 
foi alertada por populares para o desaparecimento desta peça de grandes 
dimensões, fundida no século XVIII, cujo peso se estima em mais de meia tonelada. 
Para o retirarem, terão sido necessários pelo menos três pessoas, uma 
parafernália de cabos e roldanas e algumas horas de trabalho. O isolamento 
do sítio e a falta de vigilância tornou este um crime quase perfeito. Teme-se 
agora que o sino, em bronze muito puro, possa vir a ser fundido, talvez 
já na vizinha Espanha.

Tudo isto provoca, como realçou o pároco, um sentimento de consternação e 

de impotência na comunidade local. O alarme social tocou, mas o desgosto 
anda de mãos dadas com a impotência, já que os meios da paróquia são modestos. 
Por seu turno, Ercília Diogo, presidente da Junta de Freguesia de Messejana, 
chamou a atenção para “o estado preocupante do edifício, ao nível da abóboda 
e das pedras de suporte das janelas e portas”. O problema ultrapassa, claramente, 
o que pode ser feito à escala local. Qual será o futuro de um monumento isolado, 
numa pequena terra do interior?

“Portugal debate-se com a ausência de um plano estratégico para a salvaguarda 

do património religioso no meio rural e as dioceses têm cada vez maior 
dificuldade em assegurar a protecção do património sob a sua tutela; uma certa 
falta de coordenação entre o investimento público, a possibilidade de 
integração dos edifícios em percursos culturais e turísticos, a escassez de 
policiamento e a desertificação do interior constitui pesada factura e põe em 
causa o futuro de muitos monumentos”, diz José António Falcão. E evoca uma 
história que, apesar de pouco conhecida, marcou decisivamente o trabalho 
de recuperação dos monumentos religiosos do Baixo Alentejo.

Em 1969, quando a ermida de Nossa Senhora da Assunção voltou a ficar arruinada, 

devido ao terramoto desse ano, os serviços distritais do Ministério das Obras 
Públicas contemplaram a possibilidade de a arrasar. Por casualidade, visitava 
então o Alentejo um arquitecto brasileiro, Augusto da Silva Telles, professor da 
Faculdade de Arquitectura do Rio de Janeiro, que viria, muito mais tarde, a 
presidir ao Instituto do Património Histórico e Artístico Nacional do Brasil. Foi 
ele quem explicou às estupefactas autoridades de Beja o significado daquela 
igreja para a arte luso-brasileira, salvando-a.

Relembrando estas circunstâncias, José António Falcão diz que o futuro do 

monumento depende, agora, de uma acção concertada entre as autoridades 
locais, o Ministério da Cultura, a Paróquia e a Diocese para salvar o edifício. O director 
do Departamento do Património da Diocese de Beja vai mais longe: “só a existência 
de uma estratégia para o acompanhamento e a visita das igrejas isoladas pode 
ajudar a reduzir estes atentados; não podemos continuar a defender que o culto 
basta para manter os edifícios religiosos abertos, ele precisa de agir a par 
de outras medidas, culturais e turísticas; seria muito interessante que a área 
do Campo Branco desse corpo a uma iniciativa neste âmbito”. Até porque, da 
próxima vez, pode não existir a sorte de estarem por perto funcionários 
da Câmara Municipal…
(Departamento do Património e Artística da Diocese de Beja, recebido por e-mail)