"A Palavra é do Tempo, o Silêncio da Eternidade"

15 de fevereiro de 2008

Segundo Domingo da Quaresma




Ambientação

No Domingo passado dialogámos sobre os nossos desertos e as dificuldades que experimentamos no seguimento pessoal e comunitário de Jesus. Também não foi fácil para os primeiros discípulos entender que o seu Mestre ia a caminho de Jerusalém e que morreria na cruz. Neste contexto, Jesus anima-os a manterem-se fiéis no seu seguimento e mostra-lhes a luz da transfiguração, sinal da sua ressurreição.

A PALAVRA DE HOJE:


Génesis 12, 1-4a; Timóteo 1, 8b-10; Mateus 17, 1-9

Meditação - Génesis 12, 1-4a

Depois da aliança que Deus estabeleceu com Noé, em que Deus jurou fidelidade ao que criou (cf Gen 9), os homens continuam inclinados para o mal (cf. Gen 11). Mas Deus continua a buscar a comunhão com os homens: à dispersão de Babel segue a vocação de Abraão, chamado significativamente a romper todo o vínculo social e clânico para poder seguir incondicionalmente os caminhos do Senhor. (Gen 12, 1).


Ao mandato de Deus: “sai da tua terra…” segue-se uma promessa de bênção super abundante: em dois versículos aparece cinco vezes. Tal repetição indica os três âmbitos da acção de Deus em favor de Abraão. O primeiro é a promessa de uma posteridade humana impossível (Gen 11, 30), acompanhada de um nome imposto por Deus (como contraposição a Gen 11, 4). O segundo âmbito, manifestado no v. 3 a, amplia o horizonte a todos os que reconheçam e acolham a história de salvação que Deus inaugura a partir de Abraão: converter-se-ão em filhos da promessa. Pelo contrário, quem pretenda ser obstáculo não conseguirá o seu intento (cf. Num 22 – 24). No v. 3b o horizonte universaliza-se: o terceiro âmbito da acção benéfica de Deus é a inclusão de todas as raças da terra na história de salvação.Em Cristo, a promessa de Deus dilatou-se a todas as gentes (cf. Gal 3, 15-18) até à plenitude no Reino de Deus. Ao mandamento de Deus segue-se a obediência de Abraão, deixando que Deus disponha de si e do seu destino. Confiando nele pôs-se a caminho de outra terra, como lhe tinha dito o Senhor. Nesta marcha, não só Israel, mas todos “os filhos da promessa”, reconhecem o modelo das sucessivas saídas que o Senhor pedirá aos seus: o Êxodo, o regresso de Babilónia; no Novo Testamento o êxodo do próprio Jesus (morte e ressurreição) e o consequente seguimento dos discípulos no caminho de Jesus.


Meditação - Mateus 17, 1-9

No texto de Mateus, a narração da transfiguração começa com uma indicação cronológica “seis dias depois”. Esta cronologia mostra a ligação com o texto profissão de fé de Pedro, com o primeiro anúncio da paixão e com a declaração de que para ser discípulos é necessário segui-lo pelo caminho da cruz. No alto do monte, Jesus mostra-lhes o seu aspecto divino “mudando de aspecto” v.2. Mateus insiste particularmente na luz e no fulgor que emanam dele, evocando a figura do Filho do homem de Dan 10 e a narração da manifestação de Javé no cimo do monte Sinai (Ex 34, 29-33)As contínuas alusões às teofanias do Antigo Testamento (Ex 19, 16; 24, 3; 1 Re 19, 11) indicam que se está a passar algo extremamente importante: em Jesus, a antiga aliança vai transformar-se em “nova e eterna aliança”. A aparição de Moisés e Elias testemunha que Jesus é o cumprimento da Lei e dos profetas; é Ele que guiará o povo à verdadeira terra prometida - vida eterna no amor - e à integridade da fé em Deus.


A intervenção de Pedro (v.4) indica o contexto litúrgico da festa dos tabernáculos, a mais alegre e resplandecente de luzes, que comemorava o tempo do êxodo, quando Deus baixava ao meio do seu povo morando também numa tenda, a tenda do encontro. A nuvem da presença (skekinah), que agora desce e envolve os presentes, actualiza e leva à plenitude a liturgia: como declara a voz que se ouve do céu. Jesus é o profeta maior preanunciado pelo próprio Moisés (Dt 18, 15) e é-o por ser o Filho predilecto de Deus. A ordem é “escutai-O” (v.5)


Face esta manifestação extraordinária de glória, um grande temor se apodera dos discípulos. Jesus reanima-os com os seus gestos e a sua palavra (v.7), como o Filho do homem da visão de Daniel. Torna-se mais desconcertante e incompreensível para os discípulos o que Jesus já só, lhes diz: “não conteis a ninguém esta visão até que o Filho do homem ressuscite dos mortos”.A liturgia de hoje pede-nos para entrar pelo caminho estreito e difícil; o caminho da fé obediente que exigiu a Abraão umas rupturas concretas e dirigir-se a metas desconhecidas. É o caminho da difícil perseverança que exige a Timóteo vencer o desalento e uma generosidade renovada do dom de si (2ª leitura). É o caminho do sofrimento e da morte que Jesus percorre, plenamente consciente, preparando os seus discípulos para que também o afrontem com fortaleza. Sem dúvida, é o único caminho que conduz à verdadeira vida, à glória autêntica, à luz sem ocaso.


Desde já nos é concedido a graça de antegozar um pouco o esplendor da transfiguração para prosseguir o caminho com entusiasmo. A promessa de bênção divina cobriu de esperança a vida de Abraão; a força de Deus ajuda Timóteo a obter a graça de Cristo para difundir o evangelho com entusiasmo; a visão de Cristo transfigurado dá lembrança de luz aos discípulos na hora da ignomínia e da cruz.


O sofrimento é fiel companheiro no caminho da vida, mas na prova não estamos sós: Jesus está a nosso lado com “varão de dores que conhece bem o que é sofrer”, como o primeiro que levou o peso da cruz. Isto basta para mantermo-nos confiantes que o seu poder se manifesta plenamente na nossa debilidade; nos injecta ânimo para assumir estas opções no caminho até à Páscoa e para dar testemunho da ressurreição.


Perguntas para reflexão

- Que relação tem este texto da transfiguração com a etapa crítica na vida de Jesus (crise da Galileia!) e da fé dos discípulos? (cf. Mt 16, 13ss; Mt 14,22-33;Mc 10, 32).

- Tenta descobrir quais foram na tua vida os momentos de luz, os momentos de transfiguração. Quando vistes outras pessoas com quem vives transfiguradas, bonitas, atraentes?

- Onde encontramos hoje a Cristo transfigurado, ressuscitado e que nos transfigura?

- Esta passagem da Transfiguração que motivos te dá para viveres com alegria e esperança este tempo da Quaresma? A que compromisso te leva?


A Palavra converte-se em oração

Senhor Jesus,

que antes da Paixão mostrastes aos teus discípulos,

o teu rosto glorioso,

a fim de que não desfaleçam na hora da grande prova,

convida-nos também a nós a subir contigo ao monte.

No meio do silêncio e do recolhimento,

faz que sintamos ressoar no nosso coração a tua Palavra,

que é luz para os nossos passos e apoio para enfrentar,

com uma fé sempre renovada,

o caminho quotidiano da vida neste vale de lágrimas.

Agradecemos-te pelos momentos de luz e transfiguração

que experimentámos na nossa vida

e nos animam a continuar apesar das dificuldades.

E, enquanto solícitos,

avançamos na nossa peregrinação terrena até à casa do Pai,

te pedimos, humildemente,

pelos nossos irmãos mais pobres e sofredores,

pelos nossos companheiros de viagem

mais duramente provados e tentados pelo desfalecimento,

que recebam desde já a graça

de verem transfiguradas as suas dores

naquela luz gloriosa que marca

a passagem da cruz à glória da ressurreição.

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