"A Palavra é do Tempo, o Silêncio da Eternidade"

29 de fevereiro de 2008

Resumo da Dissertação

Esta dissertação foi defendida com sucesso (hoje, 29 de Fevereiro) para obter o grau de Mestrado na Faculdade de Teologia da Universidade Católica Portuguesa, em Lisboa. O Júri foi constituido por: Prof. Doutor José Eduardo Borges de Pinho (Orientador, FT-UCP Lisboa), Prof. Doutor José Nunes (FT-UCP Lisboa e Doutora Isabel Varanda (FT-UCP Braga)

“O DIÁLOGO INTER-RELIGIOSO E A MISSÃO DA IGREJA.
INTERPELAÇÃO À VIDA DA IGREJA NA INDONÉSIA”
Felicianus Sila

A situação actual, mundial e eclesial, demonstra de um modo especial a necessidade e a urgência da prática do diálogo. A realidade da Indonésia, por sua vez, apresenta uma pluralidade notável em quase todos os níveis. O diálogo inter-religioso torna-se fundamental muito mais ainda para a Igreja que vive no meio de diversas tradições religiosas.

Este trabalho está dividido em três capítulos. O primeiro capítulo aborda a situação socioreligiosa na Indonésia. Numa abordagem mais de ordem histórica procura-se situar a presença das religiões na Indonésia. A posição estratégica da Indonésia na via marítima fez com que este arquipélago se tornasse num verdadeiro lugar de encontro de diversas culturas e religiões. Daí resultou uma rica e complexa civilização. O hinduísmo e o budismo trazidos da Índia vigoraram na Indonésia nos séculos VI e VII. No final do século XIII as populações, sobretudo as cidades costeiras, começaram a abraçar o islamismo. Nesta época, os comerciantes muçulmanos de Gujarate e Bengala, na Índia, dominavam as vias comerciais, o que sucedeu também com os árabes e os persas. O catolicismo chegou com os portugueses no século XVI. O contacto entre os portugueses e as populações locais deu-se após a tomada de Malaca em 1511 e na consequência da busca das Molucas, a Ilha de Especiarias. Com os comerciantes e os militares chegaram também os missionários para a missão evangelizadora. Os missionários franciscanos, dominicanos e jesuítas foram os pioneiros da missionação na Indonésia. No início do século XVII os holandeses sucederam os portugueses. Deu-se a missão protestante na Indonésia. Em 1942 as tropas japonesas chegaram à Indonésia na procura de matérias-primas e de posições estratégicas, tomando conta da administração do país, em consequência do colapso dos holandeses. A presença japonesa nada se repercutiu no que toca à questão da influência religiosa.

No dia 17 de Agosto de 1945 foi proclamada a independência da Indonésia e, um dia depois, foi promulgada a Constituição da nação. Esta Constituição é importantíssima porque nela se encontram os princípios fundamentais da nação conhecidos como Pancasila e nela se assegura a liberdade religiosa a cada cidadão. Pancasila são cinco princípios ou pilares da nação. Estes são: o monoteísmo; a humanidade; a unidade; a democracia e a justiça social. Pancasila é um elemento referencial para todos os sectores da vida da sociedade. A Constituição deliberou que o país é monoteísta e o povo venera o seu Deus de acordo com a sua própria religião. A maioria indonésia é muçulmana, representando o maior país muçulmano do mundo. No entanto, ela não se trata de um Estado islâmico nem está baseado numa religião. Mas é o Estado Pancasila com índole republicana, onde a democracia é fundamentada nos princípios da Pancasila. A diversidade, pois, é elemento constitutivo da sociedade e a unidade é um desafio constante. Daí o lema nacional: Bhinneka Tunggal Ika, isto é, unidade na diversidade.

Nos últimos anos a sociedade entrou numa profunda mudança. Isto sucedeu, fundamentalmente, com o afastamento do Presidente Suharto com o seu regime de Nova Ordem em Maio de 1998. Sob o poder da Nova Ordem verificou-se um notável desenvolvimento. No entanto, notou-se também o desrespeito pela democracia e pelos direitos humanos. A Ordem de Reforma, como ruptura com a Ordem anterior, pretendeu uma transformação total da sociedade. Surgiram sinais positivos, entre eles luta contra a exclusão social, luta pela justiça e paz, defesa dos direitos humanos e liberdade de expressão. Contudo prolongaram-se as crises económica e política; surgiram conflitos étnicos e, por vezes, religiosos.
O segundo capítulo debruça-se sobre a visão católica do diálogo inter-religioso à luz dos documentos conciliares e de outros documentos do Magistério. Particularmente o Concílio Vaticano II foi determinante ao traçar um caminho renovado para o diálogo com as religiões não cristãs. A Declaração Nostra aetate é sinal disso mesmo, reconhecendo-se nela os valores fundamentais existentes noutras religiões e, valorizando-se o que nelas é “verdadeiro e santo”, propõe um diálogo fraterno com elas. Já antes, o Papa Paulo VI na sua encíclica Ecclesiam suam apontou os caminhos necessários no processo da renovação da Igreja: a consciência, a renovação e o diálogo.

O diálogo com outras religiões está presente de uma ou de outra forma noutros documentos conciliares como sejam: a Constituição Dogmática Lumen gentium; a Constituição Pastoral Gaudium et spes; o Decreto Ad gentes, entre outros.

Os documentos pós-conciliares retomam e desenvolvem esta reflexão da Igreja sobre o diálogo inter-religioso. O documento Diálogo e Missão do Secretariado para os não Cristãos apresenta a atitude da Igreja face aos seguidores de outras religiões, em particular sobre a relação existente entre o diálogo e a missão. Pela sua missão evangelizadora, a Igreja faz-se presente e próxima a todos os povos, obedecendo ao mandamento de Cristo e movendo-se pela graça e pela caridade do Espírito Santo. A Encíclica Redemptoris missio, por sua vez, abre uma expectativa para a percepção do diálogo inter-religioso em relação à missão ad gentes. A Igreja tem o dever de anunciar Jesus Cristo a todos os homens: respeitando todas as crenças e todas as sensibilidades, afirma a fé em Cristo. O diálogo inter-religioso é, portanto, parte integrante da missão. O documento Diálogo e Anúncio do Pontifício Conselho para o Diálogo Inter-religioso e da Congregação para a Evangelização dos Povos aprofunda ainda mais este tema: o diálogo inter-religioso e o anúncio estão ligados mas são distintos. O diálogo torna a fé mais profunda, abrindo-a a novas dimensões, ainda que consciente da sua identidade cristã e fornecendo uma compreensão mais clara sobre os elementos distintivos da mensagem cristã. O verdadeiro diálogo inter-religioso supõe o desejo de fazer conhecer melhor, reconhecer e amar Jesus Cristo.

Baseado nestes documentos eclesiais traçam-se os elementos de fundamentação teológica do diálogo inter-religioso. O mistério da encarnação é específico e basilar do cristianismo, tendo, ao mesmo tempo, consequências universais estendidas a toda a humanidade. Em Jesus Cristo Deus faz-se presente na história da humanidade a fim de que todos os homens sejam salvos. No mistério pascal Cristo entregou-se total e voluntariamente à humanidade. A unicidade de Cristo significa, portanto, que o Filho único se oferece a todo o ser humano e partilha com ele a condição filial perante o Pai no Espírito Santo. Diríamos, pois, que o diálogo é a continuação do diálogo salvífico de Deus com a humanidade.

Um passo muito importante para o fundamento teológico do diálogo inter-religioso foi a aceitação de uma presença universal do Espírito de Deus na vida e nas tradições religiosas. É o Espírito que suscita e faz germinar no coração de cada homem as “sementes do Verbo” presentes nas diferentes tradições religiosas. O Espírito Santo actua, segundo o desígnio do amor de Deus, no íntimo de cada homem mesmo para além dos limites visíveis da Igreja; torna o homem capaz de dialogar com os outros. A presença universal do mistério de salvação em Jesus Cristo e a acção do seu Espírito implicam a acção universal do Reino de Deus no mundo. Os seguidores de outras tradições religiosas participam da realidade do Reino de Deus no mundo e na história, na medida em que se encontram abertos à acção do Espírito Santo. A Igreja está cada vez mais consciente de que não é limitado por esta o Reino de Deus. Isto leva-a a um diálogo com todos.

No último capítulo apresentam-se realidades e desafios socioreligiosos da Indonésia em que se verifica a actualidade do diálogo na missão da Igreja. A Igreja da Indonésia, como as Igrejas asiáticas, possui características próprias que lhe confere um especial valor: a sua experiência imediata de pluralidade e de convivência inter-religiosa vividas a partir de dentro. A Igreja constitui aqui uma minoria numa amálgama de religiões e culturas, fazendo com que os cristãos sintam no seu dia-a-dia a experiência religiosa do confronto com as de outras tradições religiosas. Estas condições despertam constantemente a Igreja no diálogo, sobretudo no testemunho autêntico da sua fé através dos exemplos concretos vividos quotidianamente. Ajuda humanitária a seguir às catástrofes naturais, serviço de caridade, inter-ajuda em diversas actividades ligadas à religião, convivência fraterna nas grandes celebrações religiosas são alguns exemplos deste diálogo.

A convivência familiar e social contribuem para maior tolerância e respeito mútuos no que concerne à prática religiosa de cada um. O diálogo com os irmãos de outras religiões torna-se o modo de estar e de ser da Igreja na Indonésia e tarefa quotidiana e profética de cada cristão. Há que respeitar as diferenças como possibilidade de uma riqueza de todos e de cada um. O diálogo, por isso, é um instrumento ao serviço da humanidade, isto porque procura valorizar o que é verdadeiramente riqueza cultural e religiosa de todos os povos e religiões, convergindo para o bem de todos. A liberdade religiosa, o fundamentalismo religioso e os conflitos étnico-religiosos constituem igualmente desafios para o diálogo.

Concluindo, o diálogo inter-religioso é de extrema importância para a missão da Igreja. A Igreja é constantemente interpelada a responder, cada vez com mais eficácia, às exigências da convivência num universo plural. Há muito que caminhar neste diálogo. Os desafios não faltam para um diálogo intenso e autêntico. É evidente que este trabalho não representa uma análise da realidade social e religiosa da Indonésia na sua totalidade, nem descreve ao pormenor a missão da Igreja neste país no que concerne ao diálogo inter-religioso. Fica este modesto contributo para uma melhor percepção das realidades socioculturais e socioreligosas da Indonésia e sobre a importância do diálogo inter-religioso na missão da Igreja neste país.
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