"A Palavra é do Tempo, o Silêncio da Eternidade"

24 de julho de 2009

Emelita




Chama-se Emelita. Anda na primária como outros da sua idade. Vive com os pais e avós numa aldeiazinha, no interior do enclave de Oecussi. O avô é o catequista na sua aldeia. O bisavô também já o era. Vivem ao lado da capela, aliás, o terreno para a capela da aldeia foi concedido à paróquia pela família. Não há missa todos os domingos. Em consequência disso, o avô faz a liturgia da Palavra todos os domingos.


A missa só acontece quando há visitas do pároco às capelas. Estas visitas realizam-se
normalmente uma vez por ano, na época de férias escolares, que corresponde também ao tempo seco e quente. Nestas visitas, o pároco é acompanhado por irmãs religiosas, seminaristas, jovens da paróquia e membros da Comissão de Pastoral Paroquial. Juntam-se duas ou três aldeias numa capela, durante uma semana, para as preparações sacramentais até à sua realização. Faz-se catequese de preparação para o Baptismo e a Primeira Comunhão, cursos de preparação para o matrimónio, confissões, visitas aos idosos e doentes, etc. Os catequistas e responsáveis pelos grupos da Comunidade Básica têm um papel importante. São eles que conhecem melhor a realidade e ajudam o pároco na admissão dos fiéis aos actos sacramentais.

Essa semana é vivida normalmente com muita alegria. As crianças da aldeia também se juntam para brincar, jogar, cantar e dançar, enquanto os mais crescidos têm a sua catequese. De vez em quando, observam com curiosidade a equipa nas diversas actividades, sobretudo quando os participantes cantam ou realizam qualquer jogo de animação. Os mais velhos também participam nas diversas actividades: limpeza do lugar do culto, etc. É uma semana dedicada exclusivamente às actividades religiosas. Tive oportunidade de participar numa destas visitas e, assim, pude testemunhar o convívio espiritual e familiar durante esta semana de paragem.

A Emelita, como qualquer criança da sua aldeia, estava muito contente com estas visitas. Brincou e jogou com os seus colegas e amigas, mas não se esqueceu de ajudar a mãe e a avó e as outras mulheres na cozinha. Todas elas trabalharam bastante para preparar a refeição para a equipa da paróquia.

Numa noite, perguntei-lhe com curiosidade:
– O que é que tu queres ser, Emel?
– Eu? - perguntou-me ela um pouco envergonhada.
– Sim, tu! Que queres ser quando fores grande?
– Queria ser como aquelas irmãs! - respondeu sem hesitar, enquanto apontava o indicador às três irmãs que estavam numa conversa com as mamãs.

Fiquei sem palavras, a pensar na resposta da pequena Emelita. Ela queria ser freira! Está a nascer nesta aldeiazinha uma vocação religiosa.
–Porque querias ser irmã? perguntei-lhe de novo.
– Queria ajudar as crianças na catequese, animar, cantar e dançar com elas como fazem as nossas irmãs!

Esta experiência e a resposta da “futura irmãzinha” apontam para dois elementos essenciais para a vocação da vida religiosa. Estes elementos são a família e o exemplo e testemunho de vida dos sacerdotes, religiosos e missionários. A família ainda é uma referência para a vocação. É um terreno onde se semeia, nasce, se cultivam e se colhem os frutos da vocação. Numa verdadeira cultura vocacional, os pais são os primeiros educadores vocacionais e são chamados a promover a vocação dos filhos.

No entanto, a família e a vida familiar estão, de momento, num processo de profunda
mudança. Não será que a vocação para a Vida Religiosa que, de igual forma tem vindo a alterar-se, é também fruto desta mudança? De certo que sim, embora não seja absoluto. Já que os vocacionados nascem no seio de uma família, vêm da família, pertencem a uma família, e vivem num círculo familiar.

Antes de mais, o número reduzido de filhos faz com que a escolha para seguir este caminho se torne pouco provável. Depois, a convivência religiosa das famílias perde a sua vivacidade à semelhança da mudança do papel da religião na sociedade. O ambiente familiar da menina Emelita certamente reflecte-se na sua resposta. Ela sabe o que faz o seu avô como catequista. Conhece também o seu papel preponderante na vida da comunidade.

Outro factor importante no surgir da vocação é, certamente, o exemplo de vida e missão dos sacerdotes, religiosos e religiosas. A pequena Emelita, lá no interior do seu país, guarda uma bela lembrança das missionárias da sua freguesia. Por isso, não hesitou em responder o que queria ser mais tarde. Queria ser como aquelas irmãs que todos os anos vêm à sua aldeia, ficam uns dias, ensinam, dão catequese, brincam com as crianças e jovens.

A pequena Emelita sabe que muitas pessoas ainda precisam daquela gente, daquele pequeno grupo de irmãs. Elas são diferentes. São alegres e estão alegres no meio do povo simples. Tornam-se presentes e dão-se por completo mesmo que estejam longe das suas terras. Tudo isto suscita no mais íntimo da pequena Emelita, e talvez em muitos outros, o sonho de se tornar uma delas.

Com efeito, a vocação, nos dias de hoje, tem como uma das suas principais referências as figuras exemplares, pessoais e comunitárias, capazes de incarnar os modelos e valores da Vida Consagrada.

Feliciano Sila, svd

Publicado em Contacto SVD, Ano XXIX-Nº 174, Julho-Agosto 2009, pp. 8-9.