"A Palavra é do Tempo, o Silêncio da Eternidade"

6 de outubro de 2006

O Desporto ao Serviço da Vida


O desporto e a vida estabelecem uma certa ligação. A ligação que se fundamentam mutuamente. O desporto, mais do que uma mera actividade humana, ele diz respeito ao valor e aos direitos fundamentais da pessoa humana. O desporto serve a vida humana, só a pessoa exerce o desporto verdadeiramente. O desporto engloba todo o ser do homem e em todas as suas dimensões: física, espiritual, psicológica, individual e social. Aí reside a profunda significação e importância do desporto. É de tal consideração que a Unesco na sua Carta Internacional da educação Física e do Desporto, à luz da Declaração Universal dos Direitos do Homem, salienta tal realidade, sublinhando que o exercício efectivo dos direitos humanos depende em parte da possibilidade dada a todas as pessoas humanas para desenvolver e proteger livremente as suas aptidões físicas, intelectuais e morais.
O desporto, a partida, diz respeito a cada ser humano. E, ao mesmo tempo, envolve toda a humanidade. Por um lado, o homem foi criado com capacidade e talentos, e por isso tem dever moral de os desenvolver, e por outro, o homem é um ser social, vive e convive necessariamente com os outros. Neste convívio, partilha-se a vida e a “riqueza” de cada um, inclusivamente no desporto.
Ao nível pessoal, o desporto contribui favoravelmente para a saúde e o bem-estar, proporcionando uma dilatação, é uma forma positiva de ocupar o tempo livre e um meio de mitigar os obstáculos e problemas da vida moderna.
No plano social, o desporto reflecte a convivência entre os povos e culturas, media a paz, factor de desenvolvimento, entre outros. O desporto, neste sentido, é uma das expressões do ser humano, está presente na vida do homem em todos os tempos e culturas, de variadas formas e maneiras de o encarar. Daí a existência de inúmeras instituições, organizações e fundações desportivas regionais e internacionais, intergovernamentais e não governamentais ao serviço de tal interesse.
A Conferência Episcopal portuguesa na sua nota pastoral por ocasião do EURO 2004 intitulada “O desporto ao serviço da construção da pessoa e do encontro dos povos”, reflecte de uma forma aplaudível a contribuição do desporto para a formação do homem integral e da construção do mundo mais humano. Frisa-se aos momentos desportivos como “momento especial de encontro de culturas, de partilha de valores, de convívio e de festa universal” e o momento de reforçar e promover os valores desportivos e humanos. O bispos denominam o desporto “um instrumento importante para a construção do homem integral e para a edificação de uma sociedade mais fraterna e solidária.” Estão presentes, ainda, as grandes qualidades do desporto: “a dimensão lúcida, a possibilidade de divertimento e de recriação salutar, a alegria e a festa, a beleza e a criatividade, a valorização do corpo, a promoção da grandeza e da dignidade do homem, a educação para as virtudes que estão na base de uma digna convivência humana, a possibilidade de contribuir para construção de um mundo mais unido e mais tolerante.”
Ainda neste nível social e humanitário do desporto, ele “facilita a integração num grupo, onde o homem pode encontrar parceiros que partilham os mesmos desafios e lutam por objectivos semelhantes.” O desporto estabelece uma aprendizagem e, ao mesmo tempo, passagem de valores fundamentais: a luta sadio por um objectivo, a vontade, o respeito pelos outros e pelas regras e leis estabelecidas, a solidariedade, a unidade e a fraternidade, a partilha, o trabalho em grupo, a abertura, a generosidade, a disciplina, a responsabilidade, o compromisso, a obediência, a doação, a colectividade, o acolhimento, a colaboração, o diálogo, a beleza e a harmonia, o entendimento pacífico, a liderança; “educa para a cidadania, para o compromisso comunitário e para a responsabilidade solitária; contribui para a edificação de uma sociedade civil, onde o antagonismo é substituído pela sã competição, onde o confronto é substituído pelo encontro, onde a contraposição rancorosa é substituída pelo confronto leal.”
Os eventos desportivos internacionais devem ser um encontro da família humana “no qual diversas nações e culturas vivem a mesma experiência de encontro, de partilha e de festa..., de aproximação, de compreensão, de tolerância de vários povos e culturas, frequentemente afastados entre si por motivos de ordem linguística, racial, histórica, social, política, cultural e religiosa.” O desporto pode ajudar para construção de um mundo sem fronteiras, nem barreiras, uma sociedade mais civilizada, mais fraterna e mais solidária, onde reine o amor e a paz, já que o desporto em si não tem nacionalidade, nem raça nem cor.
No entanto, continuamos a assistir as atitudes e os comportamentos que contrariam o espírito desportivismo e valores humanos, que são desafios por superar: o egoísmo, o fechamento em si próprio, o racismo, o confronto inimigo, a manipulação, os interesses comerciais, a violência, o ódio, a ruptura e fractura social, a intolerância, a agressividade, o desrespeito pelas pessoas e pelos bens comuns.
Seja como for, torcemos pelo desporto que serve à vida, onde se agitam as bandeiras da humanidade, onde se ouvem os hinos da vida e os gritos de fraternidade respeitada, e, por fim, o seu vencedor seja o homem na sua totalidade.

«Foi publicado na SVD Ao Encontro, Ano XVI n.º 44 (Julho-Agosto-Setembro) 2006».